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A Universidade Corporativa dos meus sonhos

Escrito para a edição 189 da Revista T&D Inteligência Corporativa

A Universidade Corporativa dos meus sonhos tem um campus enorme com um bosque onde é possível sentar embaixo das árvores em um tapete de grama. Neste bosque é possível encontrar grupos conversando, pessoas lendo livros, pessoas dormindo… E, sexta passada, perto do pôr do sol,  juro que vi um senhor de cabelos brancos conversando com seus filhos na tela de um tablet, contando para eles tudo que ele aprendeu de bacana nos últimos dias e, em especial, de seu novo amigo, um rapaz de 21 anos nascido em Singapura.

O céu encima da cabeça é enorme! Os prédios são todos baixos e elegantes, com jardins em todos os tetos, em diversos planos. Não há estacionamento, postes, avisos, portões. Os jardins são usados como parque pela comunidade à volta, assim como a biblioteca e o Wi-Fi.

A comunidade também pode assistir a diversos cursos. Alguns são preparatórios para trabalhar na própria empresa. A maior parte dos temas são escolhidos pela própria comunidade. Vários deles depois se tornarão objeto de estudo pelos antropólogos da área de marketing.

As salas de aula são uma mistura perfeita de high tech com high touch. Tem de todos os tamanhos… A maior é um anfiteatro onde, nos fins de semana, acontecem concertos e peças. E, eventualmente, um desafio de rap.

Esta inserção na comunidade permitiu que a fundação que regula a UC fosse declarada de utilidade pública. Vários protocolos de cooperação com entidades acadêmicas e órgãos públicos por todo o planeta geram um vai e vem constante de especialistas e visionários que oxigenam as visões estratégicas dos executivos de topo da organização, que se reúnem frequentemente lá para pensar o futuro. Da empresa, deles e do planeta.

Estudar lá é objeto de desejo de todos os colaboradores, distribuidores e fornecedores da organização. Através de programas de open innovation e modelagem de negócios, ligações profundas e potentes foram estabelecidas gerando uma cadeia de valor respeitada globalmente. É comum presidentes de empresas parceiras virem participar em debates e explorações.

Todos os programas são gravados e transmitidos em tempo real pela Internet para que qualquer pessoa na organização possa, da sua forma e no seu tempo, se desenvolver. As pessoas que demonstram mais entusiasmo pelo processo são mapeadas e premiadas por este esforço. Quando isto está associado com alto desempenho, são imediatamente colocadas em fast track de carreira.

Dar aulas lá é considerado um ponto alto na carreira de qualquer executivo. Esta experiência sempre estará destacada em seu CV. E dificilmente alguém chega ao topo da organização sem uma passagem relevante por lá…

Eu podia continuar por horas…

E me arriscar a soar ingênuo ou descolado da realidade. Mas a verdade é que não considero nada disto (ok, o bosque onírico é opcional) como exagero.

Se é verdade que nos movemos da era industrial para a era do conhecimento, então o processo de pensar, de processar e gerar valor novo a partir do pensamento, deveria estar no centro de qualquer estratégia de negócio sustentável. E este processo deveria ser cuidado com  profissionalismo por quem entende de processamento de conhecimento. Por quem entende de pensar e aprender.

Estes especialistas deviam ser professores e seu habitat devia ser a Universidade, Corporativa ou não. Talvez não a sua… Mas certamente a dos meus sonhos. Deixa eu fazer um exercício de engenharia reversa contigo…

Há pouco tempo um amigo me indicou um livro chamado Holonomic, escrito por Simon e Maria Moraes Robinson. É um daqueles livros que não devem ser lidos antes de dormir, denso e reflexivo. Logo no começo ele faz uma provocação sobre pensamento sistêmico que eu adorei.

Os autores propõem que se realmente queremos entender e ser capazes de nos mover na frente no ambiente complexo que vivemos, temos que partir de um pensamento fragmentado (focado em objetos individuais), passar por um segundo estágio onde conseguimos ver como os objetos se relacionam dinamicamente até finalmente estabelecer a mente em um terceiro estágio onde não focamos mais a atenção nos objetos e suas relações, mas sim no funcionamento do todo.

Até onde eu tenho acesso à informação, a imensa maioria das UCs existentes pensam de forma fragmentada, estruturando trilhas de aprendizagem que tem como objetivo aumentar o nível de proficiência de algumas competências eleitas (i.e. Liderança, Estratégia…). Algumas poucas pensam na articulação destas competências. Mas, pouquíssimas vezes ouvi falar de UCs que estivessem focadas em ensinar a pensar.

Seria cruel dizer que essa agenda não existe. Existe. Quando ensinamos Design Thinking, Open Innovation ou Modelagem de Negócios estamos ensinando a pensar. Mas, ainda de forma compartimentada. Eu queria muito mais que isso. Eu queria que a gente realmente ensinasse a pensar sobre o pensar.

Eu queria ensinar as pessoas a entender e questionar frases como esta do Maturana: “Falamos de entendimento quando podemos dizer que o que dizemos que sabemos, sabemos num contexto mais amplo de coerências sistêmicas do que o âmbito restrito de coerências operacionais da situação particular que dizemos saber.”

Eu queria que as pessoas lessem Daniel Kahneman, para entender como o cérebro funciona e passar a desconfiar de suas certezas e de suas respostas prontas. Queria que elas estudassem Jonathan Haidt e compreendessem a construção do certo e errado dentro da mente. Queria que elas entendessem o “efeito colmeia” que limita a percepção do novo. Queria que elas lessem o Daniel Pink para entender a importância da motivação intrínseca no trabalho intelectual e de como as práticas de remuneração clássicas estão desalinhadas com a descobertas científicas.

Queria que elas lessem o Peter Drucker dizer que uma empresa é ancorada em um conjunto de premissas mentais e que estas premissas devem ser questionadas disciplinadamente de vez em quando. Queria que elas lessem Peter Senge e compreendessem o potencial transformador que viver em uma organização pode ter em sua vida.

E, mais do que tudo, queria que elas compreendessem um pouco mais os aspectos da vida mental que afetam seu comportamento e sua felicidade, assim como das pessoas ao seu redor.

E queria que isto não fosse visto como uma viagem intelectual. Por que não é. Se nosso mundo se torna cada vez mais complexo e as formas como atuamos nele se tornam cada vez mais voláteis, então nossas mentes precisam ser cada vez mais capazes de pensar de forma sofisticada e sistêmica.

Quem vai nos ensinar a fazer isto?

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