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Qual é a Proposta de Valor da sua Universidade Corporativa?

O guru da administração Peter Drucker afirmava que toda organização é construída a partir de uma teoria que ele chamava de Teoria do Negócio. Segundo ele, uma boa Teoria do Negócio deveria ser assentada sobre um conjunto de premissas sobre o ambiente, sobre a missão e sobre as competências necessárias a fazer a organização funcionar. Estas premissas deveriam atender à realidade e deveriam ser articuladas de forma inteligente entre si. E, ainda, deveriam ser revisadas regularmente e conhecidas por todas as pessoas da organização.

Uma Universidade Corporativa é como qualquer outra organização. Também tem uma teoria. Ela existe por algum motivo, possui um conjunto de crenças e uma imagem de sucesso. Em resumo, tem uma Identidade. Ela atende a um conjunto de necessidades, se estrutura e se sustenta de alguma forma. Em resumo, tem um Modelo de Negócios. Ela aloca recursos, define objetivos e executa planos para atender da melhor forma as necessidades (atuais e futuras) de seus Stakeholders. Em resumo, tem uma estratégia.

Muitas vezes este processo de reflexão não é feito formalmente. No Brasil, em especial, temos um certo gosto por manter as coisas na informalidade. Mesmo não explícitas, no entanto, as premissas ainda assim existem e são utilizadas para guiar decisões todo o tempo. Só que isto torna tudo mais confuso, mais hesitante, menos eficaz e menos produtivo. E ainda correndo o risco de não atender aos objetivos originais e/ou desperdiçar recursos importantes.

Minha defesa neste artigo é que (1) existe um valor imenso em explicitar estas premissas, (2) existe um valor imenso em construir formalmente a identidade, o modelo de negócios e a estratégia e (3) existe um valor imenso em revisar a construção regulamente contra a realidade. Como em qualquer outra organização.

Esta reflexão pode ser feita de muitas formas, utilizando métodos muito diferentes, mas inevitavelmente ela terá que passar por um conjunto de elementos que vou explicitar abaixo e que, espero, sejam úteis para você construir ou revisar a construção da sua Universidade Corporativa (UC). Obviamente vou seguir uma sequência de que gosto e que considero lógica, mas, como já disse antes, o método é negociável.

Vamos lá?

O primeiro passo é focar exatamente em que contexto existimos, quem é nosso cliente e por que existimos. Tipicamente esta é uma discussão de Missão. E está certo começar assim. Uma organização sempre existe para atender às necessidades de alguém e o melhor modo de começar é sempre se perguntando o que este alguém quer de nós.

UCs tipicamente existem para atender aos funcionários de uma empresa ou aos participantes de um ecossistema empresarial. O ecossistema pode ser uma rede de profissionais como os instaladores hidráulicos da Universidade Tigre, a rede de franquias McDonalds da Universidade do Hambúrguer, as indústrias paranaenses da Unindus ou até algo mais amplo como potencialmente todos os pequenos varejistas brasileiros da Universidade Martins do Varejo. Às vezes, no caminho inverso, o foco pode ser bem fechado, restrito à equipe comercial ou ao time de liderança de uma organização.

Qualquer que seja o contexto, é importante ter claro qual ele é e qual é a nossa contribuição dentro dele. Nenhuma UC existe por si só. Seu objetivo nunca é formar pessoas, ou cidadãos, ou melhores líderes ou melhores técnicos. Uma UC existe para sustentar uma estratégia empresarial. A Universidade do Hambúrguer serve para sustentar as estratégias de crescimento do McDonalds. A Universidade Tigre serve para aumentar a propensão de escolha de produtos Tigre no ponto de venda. A Unindus serve para aumentar a competitividade da indústria paranaense. A Universidade Martins do Varejo serve para “fidelizar” os pequenos varejistas como clientes da Martins.

Repito: uma UC existe para sustentar uma estratégia empresarial.

E é por este motivo que a empresa (ou o ecossistema) paga a nossa conta. E por nenhum outro motivo. Logo, quanto melhor compreendermos quais são as estratégias que nós sustentamos e quais são as competências que são mais críticas para o sucesso destas estratégias, melhor seremos avaliados e com mais satisfação nossa conta será paga.

Alguns exemplos de estratégias que uma UC sustenta são (1) crescimento acelerado, (2) internacionalização, (3) digitalização, (4) implantação de processos como Lean Manufacturing, Open Innovation e Design Thinking, (5) obtenção e manutenção de certificações tipo “Melhores para se Trabalhar”, (6) mudanças na cultura em processos como Fusões & Aquisições e abertura de capital e (7) perenização.

Esta é a métrica pela qual seremos avaliados. Tirar 10 na prova é irrelevante. O importante é se a empresa cresce, se o vendedor vende, se o líder lidera, se a cultura muda…

É claro que podemos ter agendas próprias, secundárias, que podemos combinar com a estratégia da patrocinadora. Podemos, enquanto ajudamos a vender tubos, hambúrgueres ou remédios, ajudar a educar cidadãos mais éticos, desenvolver boas práticas empresariais, compartilhar conhecimento com a comunidade, etc. Tudo isto é louvável, mas nossa conta será paga pelos hambúrgueres vendidos, por favor não esqueça.

Existem muitas formas diferentes de estruturar uma UC. Você pode ter uma grande estrutura física como o campus de Crotonville – a mítica UC da GE, que desenvolveu gerações de grandes CEOs – ou você pode ter uma sofisticada estrutura digital como a Universidade Sebrae, ou lugares desenvolvidos sob medida para simular as operações, como o McDonalds. Cada um destes modelos é bastante diferente de se gerenciar e são bastante distintas as estratégias que eles sustentam. A estrutura tem que ser adequada à necessidade da patrocinadora e a visão de futuro da UC tem que dar sustentação à visão de futuro da patrocinadora.

O mais difícil da história toda é provavelmente compreender que competências têm que ser desenvolvidas hoje na UC para dar sustentação às competências que serão necessárias amanhã na patrocinadora. Aqui sempre haverá algum nível de aposta, mas a capacidade de entender o cenário e pensar de forma sofisticada em competências e metacompetências faz diferença. Pontes bem construídas com o mundo acadêmico e com centros globais de referência em inovação do mercado da patrocinadora também são diferenciais.

Acertar a mão no modelo de competências da UC é bastante difícil. E requer um trabalho intelectual fino. Requer uma discussão profunda sobre crenças – o que acreditamos que funciona e o que acreditamos que combina com os valores atuais e desejados pela patrocinadora.

Este campo, como a maior parte dos campos de conhecimento empresarial, está em mudança o tempo todo e é uma enorme responsabilidade definir quais referenciais teóricos serão usados na gestão, na estruturação e na forma de transmitir o conteúdo. A lista de teóricos é bastante grande, com bastante divergência de abordagens e tônicas. Aqui mais uma vez é necessário fazer escolhas. Em quem acreditamos? Jeanne Meister, Mark Rosenberg, Peter Senge, Jane Hart, James D. Kirkpatrick, Daniel Kahneman, Jonathan Haidt, Ram Charan, Marisa Eboli, Joel Dutra, Betania Tanure? Cada uma destas escolhas nos levará para um enfoque um pouco diferente sobre como abordar o processo educacional e sobre onde colocar a atenção para obter máximo impacto sobre a vida da patrocinadora.

Durante toda esta etapa, em que discutimos premissas e propósito, o foco sempre está no por quê devemos existir. A pergunta básica é se a melhor solução é nós existirmos e por quê. Uma discussão poderosa questionará violentamente muito mais o por quê do que o como.

Terminada a etapa da identidade, agora temos que botar o time em campo. Escolher onde vamos jogar e como vamos fazer para ganhar cada jogo em que entrarmos.

A construção da estratégia tem dois passos básicos: (1) qual é a Proposta de Valor que vamos entregar (2) qual é o modelo de negócios que nos torna sustentáveis. Isto vale tanto para uma empresa lucrativa como para uma UC.

Só faz sentido criar uma organização se ela gerar mais valor do que consome para gerar. E isto tem que ser medido em dinheiro. Se o resultado for negativo, não faz sentido existir. Se existir outra forma mais barata de gerar o mesmo valor, não faz sentido existir. A criação de uma UC não pode ser uma decisão ideológica. Ela é uma decisão de negócios. Tem que fazer sentido dentro da estratégia da patrocinadora.

Ah, só que UC não é para ganhar dinheiro, ok? UC é para fazer a patrocinadora ganhar dinheiro. Não pode haver conflito de interesses aqui. Até pode fazer sentido uma UC vender serviços ao mercado para diluir custos, mas sua estratégia nunca pode, nem por um minuto, competir com a da empresa patrocinadora. Ela existe para servir à estratégia da patrocinadora. O resto sempre é secundário.

O ponto central da estratégia de uma UC é sua Proposta de Valor para a empresa patrocinadora. É a forma específica como ela ajuda a empresa a ganhar dinheiro. Isto passa por duas reflexões: (1) que espaços estratégicos focar e (2) que contribuição específica fazer naquele espaço estratégico. Não é complicado. Deixa eu explicar:

Tem várias formas como uma UC pode ajudar a empresa patrocinadora a competir melhor e isto passa por múltiplas direções (ou drivers) como, por exemplo, aumentar a produtividade das operações, acelerar a formação dos líderes do futuro, reforçar algum aspecto cultural, inovar mais consistentemente, melhorar seu modelo de gestão… E muitas outras.

São múltiplas as possíveis áreas de foco. Podemos focar em Liderança (toda a liderança ou apenas o topo ou apenas a base), podemos focar em marketing e produto (inovação, gestão de ciclos promocionais, gestão de canais e parcerias, conhecimento do consumidor, precificação), podemos focar em operações (gestão do resultado, gestão de produtividade, métodos e processos, tecnologia), podemos focar em vendas (produtividade da equipe comercial, gestão do processo de vendas). As possibilidades são praticamente infinitas…

A combinação das duas dimensões (drivers X áreas de foco) cria uma matriz de espaços organizacionais complexa. O passo seguinte é escolher onde jogar de forma deliberada e refletida. E o segredo é escolher jogar onde sabemos jogar bem e onde somos capazes de gerar máximo impacto. Isto não é simples e tem que ser feito de forma rigorosa.

Este rigor é necessário para que possamos definir exatamente onde vamos investir nossos recursos organizacionais (pessoas, sistemas, capital) na estruturação da UC. E são muitas decisões a serem tomadas!

Como devemos nos estruturar para ganhar cada jogo? Que capacidades temos que ter?

Que competências nossas pessoas têm que ter? Seremos técnicos, gestores de projeto, business partners? Estas competências, vamos terceirizar ou adquirir por demanda? Apostaremos em Gamification, Design Thinking, Coaching, Processos de Diálogo, Análise Instrucional, Tutoria, Mentoria? Quem serão nossos parceiros estratégicos em conteúdo, método, infraestrutura?

Como vamos nos estruturar para executar cada um dos pontos críticos dos processos que vamos executar? Como será nossa estrutura organizacional, como estabeleceremos motivadores, direitos de decisão, quais serão nossas fontes de conhecimento? Usaremos EAD? Teremos uma rede de multiplicadores?

Como vamos medir nosso trabalho? Que indicadores serão usados? Como vamos coletá-los e como vamos apresentá-los? Usaremos ROI, BSC?

E de onde virá nosso investimento? E de onde virá o dinheiro para nos manter vivos no futuro?

São muitas decisões e neste ponto talvez você ache que eu estou complicando a história demais. Juro que não estou. Principalmente em um cenário de crise onde o fluxo de caixa fica mais apertado, consistência estratégica e execução primorosa são o que mantém qualquer organização viva.

Por que deveria ser diferente para uma Universidade Corporativa?

  1. Responder

    Excelente Artigo. Gratidão por ter compartilhado

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